por Bruno Luiz:
Foto: Ascom / TJ-BA:
“As medidas cautelares não estão funcionando como alternativas à prisão, mas como alternativas à liberdade”. A frase da professora Daniela Portugal, coordenadora do Grupo de Pesquisa de Audiências de Custódia do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (Ibadpp), revela que as medidas que deveriam funcionar como opção contrária ao encarceramento de presos provisórios não têm contribuído efetivamente para modificar a situação de superpopulação prisional na Bahia. Segundo números do Núcleo de Prisão em Flagrante e Audiência de Custódia do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) – os dados começaram a ser coletados pelo Ibadpp em setembro de 2015 – até maio do ano passado, a porcentagem de casos em que o juiz das audiências de custódia decidiu pela liberdade provisória plena do conduzido, ou seja, para que ele respondesse o processo fora do cárcere, não passou dos 3%. Os dados são fruto de um acordo de cooperação técnica firmado entre o Núcleo e o Ibadpp, no qual o instituto se debruça sobre dados gerados pelo órgão e produz estudos detalhados sobre o impacto das audiências de custódia. A instituição das chamadas medidas cautelares diversas da prisão ocorreu por meio da Lei 12.403/11, que, entre outras providências, alterou dispositivos legais do Código de Processo Penal (CPP) e modificou o artigo 319 desta legislação. A mudança criou dispositivos que funcionam como um meio termo entre a prisão e a liberdade plena, apenas as duas opções existentes no CPP brasileiro antes da alteração. Pelo novo artigo 319, ficou possível o comparecimento periódico em juízo dos processados, para informar e justificar atividades; pagamento de fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; e recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos. Segundo Daniela Portugal, as medidas eram defendidas pelos doutrinadores do direito penal como forma de diminuir o superencarceramento nas prisões brasileiras. Entretanto, na avaliação da professora, vêm sendo utilizadas para simplesmente não permitir a plena liberdade dos conduzidos, em casos nos quais o juiz poderia optar por permitir que o preso respondesse o processo fora da cadeia, sem nenhum tipo de sanção. Para Daniela, este tipo de decisão pode contribuir para diminuir a efetividade das audiências de custódia para dirimir problemas do sistema penal. “Um dos principais dados sobre as audiências de custódia é que há muita preocupação com a redução drástica no número de liberdade provisória plena. Com as mudanças no CPP, tivemos alterações em que foram trazidas as medidas cautelares diversas da prisão. Essas medidas criaram o meio termo. Não é prisão e nem liberdade plena. Desse universo que respondia em aprisionamento, as medidas cautelares deveriam revelar diminuição no número de processados presos e que se mantivesse inalterado os de plena liberdade. Em setembro 2015, houve 0% dos casos houve liberdade provisória plena. O mesmo ocorreu em outubro. Em novembro de 2015, a gente consegue atingir 2%. Em dezembro, 3%. Em 2016, existe o mesmo padrão. Em janeiro, 1%, número que se mantém o mesmo até abril. Em maio, chega a 2%”, afirmou a professora em entrevista ao Bahia Notícias. Ainda segundo a integrante do Ibadpp, o Judiciário tem se utilizado “dos remédios errados” para modificar a situação caótica do sistema prisional brasileiro. “As audiências de custódia são colocadas como aliadas na redução da superpopulação. Mas, enquanto não houver mudança de pensamento nas medidas cautelares, não vai adiantar, não vai reduzir o encarceramento. A audiência de custódia é o caminho certo, mas a forma como o nosso Judiciário está atuando com relação às audiências de custódia está incorreta”, ponderou. Apesar de considerar o uso dessa medida como incorreto, Daniela considera que ela tem conseguido trazer “grandes benefícios”, como o aumento na investigação de casos de tortura de conduzidos, principalmente por policiais. “O grande benefício nas audiências é a presença do defensor, seja público ou constituído pela própria parte. Isso não existia antes. A maior parte do abuso de autoridade se dava nessa fase pré-processual, que não havia juiz, defensor. Ainda é um percentual pequeno na investigação desses casos. Em 5% dos casos cadastrados entre abril de 2016 e dezembro de 2016 houve investigação de tortura, mas a gente já esta um passo à frente. Antes, as investigações não ocorriam”, comemorou.